Recentemente voltei à Adega Fita Preta, perto de Évora, uma das melhores do mundo segundo a Forbes e casa-mãe do enólogo António Maçanita. Quem conhece o António sabe que cada visita é uma experiência rara, e esta não fugiu à regra. Fomos recebidos com enorme simpatia pelo próprio, sempre generoso no tempo, na explicação e na partilha da sua visão para o Alentejo. Mais uma vez, mostrou porque a Fita Preta não é apenas uma adega, é um centro criativo de vinhos que respiram história, rigor e irreverência.

O motivo da visita era especial, conhecer o recém-lançado Enxarrama 2015, um vinho que mantém o ADN do emblemático 2014, mas que apresenta agora uma profundidade ainda mais consolidada pelo tempo.

À mesa fez-se com um wine pairing impecável preparado pelo restaurante da adega. O Chef Afonso Dantas assinou pratos pensados para elevar cada referência provada, e conseguiu fazê-lo com uma elegância que surpreende pela subtileza.

Entre várias novidades, destaco:

  • Espumantes Fita Preta
    Frescura cortante, mousse fina e um perfil gastronómico que coloca o Alentejo num patamar inesperado no universo dos espumantes nacionais.

  • Branco e Tinto Paulistas
    Vinhos sérios, expressivos, com grande textura e precisão aromática.

  • Alicante Branco Vinhas Velhas
    Um dos maiores destaques da prova. Salino, profundo, vibrante, daqueles vinhos que nos obrigam a parar e pensar no que está a acontecer no copo.

E claro, o protagonista, o Enxarrama 2015.

O Enxarrama não é um vinho novo. É uma recriação histórica baseada em registos vínicos do século XIV e, mais tarde, na famosa nota de prova do agrónomo Mestre José Ferreira Lapa, escrita em 1867 e hoje recuperada na ficha técnica oficial do vinho.

O 2015 nasce de:

  • 85% Alicante Bouschet e 15% de castas tradicionais alentejanas, incluindo Aragonês, Castelão, Trincadeira, Moreto, Tinta Miúda e Tinta Caiada (página 1 da ficha técnica).

  • Vinhas com 25 a 30 anos.

  • Estágio total de 10 anos, dividido entre barrica e garrafa, uma raridade na viticultura moderna.

O resultado é um vinho que honra a descrição histórica de Ferreira Lapa, que o classificava como “forte e basto, que bem por causa do seu tanino pode tolerar o seu volume em álcool”. E, de facto, o Enxarrama 2015 confirma a identidade firme, expressiva e profundamente alentejana que o produtor quis recuperar.

O copo apresenta cor profunda, nariz intenso, notas de fruta negra madura mas fresca, especiaria elegante, taninos presentes mas polidos e uma persistência enorme. É um vinho que não se apressa. Pede tempo e recompensa cada segundo investido.

Uma cozinha que acompanha o nível dos vinhos

Foto do Chef Afonso Dantas do Fita Preta

O almoço na A Cozinha do Paço foi um capítulo à parte. O Chef Afonso Dantas continua a elevar o que se faz na região, com combinações que conseguem ser simultaneamente tradicionais e modernas.

Os meus destaques:

  • Mix de porco preto absolutamente delicioso, suculento e cheio de identidade.

  • Enguia, que foi uma surpresa tremenda, mostrando a versatilidade gastronómica que a cozinha da Fita Preta procura explorar.

  • O pão acabado de fazer com azeite da casa, simples mas perfeito, como todos os grandes princípios da gastronomia devem ser.

Uma experiência que vale a viagem

A Fita Preta fica a poucos minutos de Évora e oferece uma das experiências vínicas mais completas do Alentejo. História, técnica, gastronomia, ambiente e, acima de tudo, vinhos que falam verdade e falam alto.

O Enxarrama 2015 está à altura das expectativas, é profundo, singular, memorável e, acima de tudo, fiel ao espírito de reinvenção que caracteriza o trabalho de António Maçanita.