Entrei e percebi que ao fundo havia uma vasta oferta de vinho. Uma parede inteira forrada a garrafas que pareciam cheias, todas cheias. Entusiasmado pedi uma mesa e sentei-me onde me indicaram. A sala estava meio vazia e o distanciamento cumpria-se à risca. Estava curioso para conhecer a ementa e a carta de vinhos. Se há coisa que me tira do sério são bons restaurantes. Daqueles que se distinguem pela gentileza dos seus funcionários, os grandes guardiões do templo, pela excelência da gastronomia, os mestres da cozinha e pela carta de vinhos – o ex-libris do estabelecimento. Quem aprecia vinho sabe do que falo. Um bom restaurante nunca o será o melhor se não oferecer aos seus clientes uma grande carta de vinhos.

 

Não demorou muito até merecer a atenção do Manuel, empregado da casa há mais de 15 anos que entre delicadezas e piadinhas da praxe lá se foi apresentando.

 

As ofertas não eram excepcionais aliás, bastante comuns, pratos tradicionais à base de carne, algum peixe fresco e alheiras de Mirandela. Não me deixou de queixo no chão mas também não me deu vontade de fugir. Corajosamente pedi choco frito, primeiro, e depois Lombinhos de Porco Preto. Sei lá tenho destas coisas. Gosto de extremos. De viajar entre sabores e desafiar as dores de barriga.

 

A decoração da casa é simples com vincadas referências aos vinhos. Por aqui e por ali as referências vinícolas preenchem as paredes, mais à frente um balcão com vitrine onde se vê o peixe e algumas sobremesas. Não há muito barulho porque visivelmente as mesas estão desocupadas, caso contrário haveria o som de um comboio a buzinar-me aos ouvidos.

Todos gostamos de comer calmamente e com algum silêncio sem sentirmos a necessidade de recorrer ao grito sempre que uma ideia precisa de ser verbalizada. Gostamos mas também esquecemos que quando os almoços são feitos com os amigalhaços ou com a grande família lá somos nós a fazer o barulho para a mesa vizinha.

 

Sempre que entro num restaurante tenho a mania de analisar tudo em detalhe. Olhos meus que começam à procura do bom e do mau.

 

Continuei sentado a observar o mundo que corria ali à minha frente. Pedi a carta de vinhos e esperei com a “faca nos dentes”. Até àquele momento tudo estava a correr bem e a partir dali eu estava preparado para fazer correr mal. Vesti a minha ignorância de connoisseur e recebi da mão do Manuel o tão desejado “documento”.

 

Como sabem sou um profundo amante do vinho mas de vinho percebo pouco. Compreendo o sabor, o paladar, alguma coisa da textura e muito da paixão. Tenho pelo vinho o mesmo sentimento que os homens dizem ter pelas mulheres: amor e desejo profundo mas dificuldade em entender. Talvez porque o vinho não se explica, sente-se.

 

Como qualquer cliente lá deslizo os olhos pela oferta da carta. Olho para a direita, confirmo na esquerda, consulto a marca e a gama e logo faço corresponder aos preços. Depressa identifico os “habitués” e deparo-me com novidades, isto é, novidades não serão propriamente mas para mim, que nunca ouvi falar, são. Lá vem o Manuel de novo e sugere o vinha da semana.

 

Penso: “ Vinho da semana? Estão a despachar o vinho?”, e faço uma expressão de recusa misturada com desconfiança. Nestas coisas vou sempre com os dois pés atrás. No entanto e porque dias não são dias, aceito.

 

– Venha lá esse vinho da semana. (KOPKE – RESERVA – Tinto )

 

Veio. Veio antes do choco e quando o choco chegou já o KOPKE queria ir embora. É um vinho que se deixa beber, que permite que aconteça e guloso. Saboroso do principio ao fim e tentador.

 

Comi, regalei-me com o choco, deliciei-me com os lombinhos de porco preto e ainda acabei com um leite creme.

 

No copo não ficou nem uma pinguinha.

 

Pedi a conta, paguei e vim-me embora. Trouxe comigo aquilo que já ninguém me tira. O excelente momento proporcionado por profissionais atenciosos e competentes, a boa comida confeccionada por mãos que amam o que fazem e a descoberta de um grande vinho. Sem dúvida que este espaço ficará no meu radar para uma nova passagem. Tem tudo aquilo que se exige aos bons restaurantes: afeto e bom vinho. Desta vez acertei em cheio.

 

E agora entre nós deixo o desafio. Na próxima oportunidade vá com vinho conhecer um restaurante das redondezas e traga para casa a sensação única de receber o tal afeto e provar o bom vinho. Vá sempre que a carteira e o tempo permitirem, experimente, seja exigente, erre, aconselhe e indique aos amigos. Vá porque sempre que for voltará mais rico.

 

Tristão de Andrade