Conheci o Senhor António no final do mês de setembro decorria o ano de 2019. O verão não tinha sido extraordinariamente quente mas nas notícias não se falava de outra coisa: o aquecimento global. Nos campos e nas cidades todos já se preparavam para receber mais um Outono. As escolas reabriam ao ritmo da vida normal e a América lutava com a China para ganhar terreno no espaço.

A televisão transmitia jogos e concursos, telenovelas e debates. Era um período de normalidade e vindima.

A primeira vez que vi o Senhor António estava ele em cima do trator a transportar a uva para o lagar. Passou por mim com a missão de não se atrasar e levar a carga ao destino. Era um homem de grande responsabilidade, de grande compromisso e amor pelo seu trabalho. Tinha uma figura envelhecida pelo sol, típica boina que servia de proteção e “capacete”, nariz aquilino e olhos rasgados. Não fosse a vida tê-lo escondido naquelas paragens e Hollywood “aqui vou eu”. Nessa vez que nos cruzámos creio que ele nem reparou em mim ali à beira do caminho a contemplar a vista. Eu andava deliciado a olhar para a vinha, a percorrer os terrenos da propriedade com a vontade de provar o fruto. Na garganta sentia o pó, o mesmo pó que viria mais tarde a limpar com o próprio vinho.

Decidido aventurei-me a entrar na casa do lagar. Aproximei-me do senhor António com respeito e apresentei-me. Ele olhou-me com silêncio, sossego e generosidade. Respondeu-me amistosamente dando-me as boas vindas. Usou toda a simplicidade que só está ao alcance dos homens bons e fez-me imediatamente sentir em casa.

Pedi-lhe para me mostrar o lagar, para me levar à adega e me explicar a vindima. Enfim, no fundo, para me revelar os mistérios do vinho e os segredos da sua vida. Admito que tenho sempre dificuldade em distinguir o homem, o vinicultor e o vinho. Às vezes dá a sensação que são só um.

Assim aconteceu. Iniciámos uma jornada de conversa, uma aula da arte vinícola, uma sessão de confissões. No coração do meu amigo a lembrança do melhor vinho que fez dolorosamente no mesmo ano em que perdeu a mãe. Ironias de uma vida que dá com a mesma mão que tira. Nesse instante chorou. Custa muito ver um homem daqueles desabar com a saudade. Depois sorriu quando lembrou a época em que semeou a sua melhor planta, a casta que ainda hoje lhe dá o fruto de um excelente vinho. Curiosamente plantada no ano em que a vida lhe trouxe um novo membro à família.

Andámos perdidos naqueles campos e ainda mais nas conversas. O senhor António deixou-me perguntar tudo. Quis responder sobre amores, paixões antigas, abriu o coração e expressou os sentimentos pelos seus amigos.

 

“Um homem sem amigos é só um homem. Um homem com amigos é omnipresente” – dizia entre gargalhadas.

 

Eu ouvia deliciado com medo que o tempo me levasse aquilo que leva sempre: os melhores momentos.

 

Passei o dia calado a ouvir e a fazer perguntas. Eu sei, eu sei que sou um verdadeiro “chato” quando gosto. E gostei tanto. Gostei de saber e conhecer porque acredito que não tenho grande jeito para responder, porque sei pouco, mas sou genial a perguntar porque quero saber muito. E há ainda tanto para saber sobre os Homens e sobretudo sobre o Vinho.

 

#tristaodeandrade

#vaicomvinho