A vida levou-me para aquelas bandas e eu fui. Pisei um dos pedaços mais maravilhosos do nosso Portugal. Não me deixei domar pela preguiça e aceitei a aventura. Eu sou de ir, de arriscar e partir no eterno desejo de querer mais. Parece poesia? Não é. É a minha alma insaciável que grita para ir por isso eu escuto e vou. Vou e venho aqui contar. Não para cá vir bisbilhotar mas para espicaçar as almas dos leitores. Para lançar o convite de irem como eu fui porque, acreditem, vale sempre a pena quando a boa comida acompanha o melhor vinho.

 

DONA MARIA

 

Há uns dias conheci a Dona Maria nessa aventura de “ir”. Maria de Fátima Castelão, mais concretamente, a cozinheira de um pequeno restaurante de aldeia. Senhora de cabelos brancos, mãos marcadas pelo trabalho e olhos azuis. A beleza rústica de um corpo maduro escondido atrás de uma farda azul e um avental vermelho. A formosura pintada pela alegria luminosa e genuína. 

 

A Dona Maria podia ser cozinheira num qualquer restaurante de uma grande cidade. Tem conhecimento q.b. de cozinha e o diploma na área conseguido por uma vida inteira passada entre tachos e panelas. É a rainha do saber fazer a olho e guru na hora de temperar. Não se esconde atrás de receitas ou cábulas. Na sua cozinha tudo é ao natural, ao sabor da arte e da disposição. Minuciosa na hora de avinagrar a cabidela e louca a temperar salada.

 

Ninguém saboreia simplesmente as iguarias da Dona Maria, devoram-nas. São de comer e berrar por muito mais, de lamber os beiços, os dedos e o prato. Enfim, inesquecíveis. Grandes provocações aos sentidos. A renovação do tradicional, a verdadeira ode ao paladar.

 

A VISITA

 

Estava eu sentado de forma incógnita numa das mesas daquele restaurante quando, para surpresa minha, senti uma mão deslizar sobre o meu ombro:

 

  • Espero que goste.

 

Virei-me, enfrentei a dona da mão e respondi seguro:

 

  • Que grande refeição. A senhora é a cozinheira?

 

Assim teve início uma longa conversa que só terminou com as lágrimas da Dona Maria a contar como a mãe tinha sido importante na sua vida, e nos segredos dos seus pratos.

 

Estas personalidades intrigam-me. Deixa-me de curiosidade em brasa. Com ganas de não reter uma só pergunta e indagar sobre o seu passado, o presente e o futuro.

 

Aconteceu desta maneira. Perguntei tudo sobre o restaurante, os pratos, o pessoal, os clientes e claro, a carta de vinhos. Quis ouvir histórias do antigamente e compreender aquele vinho a jarro que ela levava a todas as mesas. E, como quem pergunta normalmente recebe resposta fiquei a saber tudo. Enchi a alma de satisfação já que na barriga não entrava nem mais uma azeitona. 

 

Estas são as coisas que eu trago na bagagem. A boa comida, o bom vinho e as melhores conversas. O tempo que partilho com gente que não conheço mas cujo destino caprichosamente me faz conhecer. São os pedaços de vida que levamos para a morte, são a memória que deixamos nos outros que se revela mais importante que o dinheiro que usamos para pagar a conta.

 

A saudade é a melhor das heranças.

 

Nunca vou esquecer a Dona Maria. Os seus olhos ficarão para sempre na minha memória assim como as coisas boas que me deu a provar. Ali aconteceu gastronomia, amizade, vida e VAI COM VINHO.

 

# tristaodeandrade